Dentre os vários produtos de rendimento, a produção e comercialização do algodão em Moçambique aparece como um dos que mais se destaca, desde a independência, tendo em conta, por um lado, os volumes de produção e, por outro, os valores envolvidos em toda cadeia desta cultura.
Estima-se que mais de 150 mil famílias rurais, localizadas, estejam ciclicamente envolvidas com o chamado ouro branco que contribui, com a sua exportação, para a balança de pagamentos, mas, eventualmente, a maior que oferece emprego rural.
O modelo de produção actual, em regime de fomento, bem como a fixação do preço mínimo para a sua comercialização tem sido objecto de reflexão tendo em conta que o negócio, nestes moldes, não é rentável para as famílias rurais que se veem “reféns” das empresas concessionárias.
As lacunas existentes na relação entre os intervenientes do subsector do algodão, não é nova e ditou a criação do Fórum Nacional dos Produtores do Algodão (FONPA), em 2005, que actualmente tem como missão organizar os produtores do algodão para a defesa dos seus interesses e direitos, garantido a melhoria na produção, produtividade e rentabilidade.
Para o presente ano de 2023, das 40 mil toneladas previstas como meta de produção em todo país, a maior fasquia recai sobre a província mais populosa de Moçambique, no caso Nampula, onde se prevê mais de 10 mil toneladas. Alias, dos 23 distritos de Nampula, pelo menos quatro, tem merecido destaque na produção do algodão caroço, nomeadamente, Monapo, Mecuburi, Meconta e Muecate.
O regime de fomento, em concessões algodoeiras, onde os produtores do sector familiar recebem insumos para assistência técnica das empresas concessionárias que garantem a compra de toda produção e o produto é exportado para vários cantos do mundo, não permite as famílias produtoras, que dependem desta cultura para o seu sustento, negociar e tornar a produção rentável.
O Estado, representado pelo Instituto do Algodão e Oleaginosas de Moçambique, é um dos principais actores da cadeia de valor, que abarca dos fomentadores, através da Associação Algodoeira de Moçambique e os produtores, que são representados pelo Fórum Nacional de Produtores do Algodão (FONPA).
Especificamente, os produtores do algodão, particularmente, em Nampula, estão a deparar-se com diversas dificuldades, como por exemplo, a subida galopante de preços dos insumos agrícolas, com destaque para os pesticidas, herbicidas e outros que aumentam os custos de produção e, consequentemente, impactam negativamente na renda final.
Paralelamente, existe o dilema do acesso a semente de qualidade, que tem contribuído nos últimos anos para a queda da produtividade da cultura do algodão, para alem da oscilação frequente do preço algodão, que desincentivam a produção do chamado ouro branco.
Apesar dos mecanismos de estabilização do preço, aliados aos subsídios aprovados pelo Conselho do Ministro, com reflexos para a campanha passada e a actual, as lamentações dos produtores se mantem, porque afirmam estarem a trabalhar para os fomentadores, pois não estão a arrecadar lucros do esforço feito.
Outra preocupação levantada pelos produtores, prende-se com o numero de empresas concessionarias nesta província, que, nos últimos anos conhece o monopólio de uma única, no caso a SANAM, situação que não dá espaço para possíveis negociações entre as partes.
Em Maio do ano passado, o Estado aprovou os preços mínimos de compra do algodão caroço a vigorar na campanha agrária 2022/2023, designadamente, para o algodão caroço de primeira qualidade, no valor de 33 meticais por quilograma, algodão caroço de segunda qualidade 23 meticais e a taxa de descaroçamento do algodão caroço no valor de 8 meticais.
Ao longo da semana passada, o Wamphula-fax a convite do FONPA, visitou e manteve encontros com os alguns produtores do algodão nos distritos de Muecate e Monapo, onde se apercebeu das principais dificuldades deste pilar.
Helena Muamuru, produz algodão, há cerca de dois anos, no posto administrativo de Imala, distrito de Muecate, explicou que os preços de venda do algodão são muito baixos, situação que não ajuda o desenvolvimento dela, da sua família e dos outros produtores.
“Temos a sorte de receber alguns insumos, através dos técnicos do FONPA mas os preços são elevados. Veja que desembolsamos de 300 meticais a cada frasco. As sementes que recebemos, não são de qualidade. Este ano não produzimos bem. Pois as plantas estavam a cair, para alem de serem atacadas por algumas pragas”, disse Helena Muamuru lamentando que não tem opção de escolha pois tudo lhes é imposto.
A nossa interlocutora diz que o preço recomendável e que poderia, feitas as contas, dar um lucro aos produtores seria no mínimo 40 meticais, para o algodão de primeira contra o actual preço de 33 meticais.
Avelino Joaquim, também produtor do algodão, no posto administrativo de Imala, em Muecate, diz que está na cadeia desta cultura há 15 anos, e só não desistiu porque se tornou hábito e tem pratica. Contou que tem ouvido promessas de aumento do preço, para um valor satisfatório, mas nada se concretiza.
Helena João, produtora do algodão há 11 anos, apontou a situação da semente como sendo o principal problema. “Como é que um produto químico vai custar 300 meticais? Esse dinheiro é elevado. Não podemos suportar enquanto o valor do algodão continuar baixo”, sentenciou.
Saide Naiti, produtor desde 1988, reclamou, por exemplo, quanto aos sacos que os produtores estão obrigados a usar. “Estamos a usar sacos de 2021 e já estão gastos nem isso nos ajudam a mudar”, disse.
O nosso interlocutor, pediu ao governo para que saiba seleccionar os produtos químicos oferecidos aos produtores, para que se possa esperar resultados que satisfaçam as partes.
“Devem trazer sementes simples, mas com qualidade. Já aconteceu em anos anteriores em que víamos bons resultados”, frisou Naiti.
Com o mesmo nível de reclamação e lamentações a nossa reportagem teve a ocasião de conversar com produtores, de outras áreas de produção, nomeadamente, Mariequeta Paulo, produtora do algodão, desde 1986, Alfredo Antonies, produtor há 10 anos, Carolina Antonio há 2 anos e Agostinho Silvestre há 11 anos, para alem da comunidade de Marrereni, no posto administrativo de Itoculo, distrito de Monapo.
No meio destas lamentacoes existem casos de sucesso como diz Javifa Valentim, que com o dinheiro conseguido, nas campanhas do algodao construiu casa própria e tem estado a pagar propinas para os estudos da sua filha.
Abiba Nakata, produtora em Monapo, foi ousada na explicação e disse no ano em curso, ela produziu mais de um hectar, mas apenas colheu 23 sacos de algodão.
“Do valor da venda o bolo foi para fechar a divida dos insumos” Abiba Nakata.
O técnico do FONPA, em Nampula, Pedro Marenja, reagindo as inquietações dos produtores, disse que a instituição está a fazer um trabalho de advocacia para ver junto dos órgãos competentes, alteração dos preços do algodão que é determinado por uma formula, discutida anualmente, para alem de ter parâmetros que devem ser respeitados.