“Império” das cobranças ilícitas nas escolas de Nampula em colapso

“Império” das cobranças ilícitas nas escolas de Nampula em colapso

A recente manifestação dos alunos da Escola Secundária de Cossore, nos arredores da cidade de Nampula, poderá representar um ponto de viragem no combate às cobranças ilícitas que, há vários anos, minam o sistema de ensino público moçambicano.

De facto, os protestos eclodiram depois de os estudantes se insurgirem contra a cobrança de 70 meticais por aluno para a realização das provas trimestrais. A direcção escolar justificou o valor com os custos de impressão dos enunciados, mas os números revelam um cenário alarmante.

Com efeito, uma cópia de página custa, efectivamente, 2 meticais. Assumindo uma média de 10 disciplinas por aluno, com duas páginas por prova, o custo total não ultrapassaria 40 meticais. Ou seja, há uma diferença de 30 meticais cobrados a mais por estudante, sem qualquer justificação ou prestação de contas. Apenas entre os 2.100 alunos que contribuíram, o montante cobrado em excesso ascende a 63 mil meticais — uma quantia considerável, cujo destino permanece obscuro. Importa referir que o universo estudantil da escola ultrapassa os 5 mil alunos, o que levanta ainda mais dúvidas sobre a dimensão e recorrência desta prática.

Perante a pressão estudantil, a direcção comprometeu-se a devolver os valores cobrados — um recuo forçado que acabou por desencadear reacções institucionais ao mais alto nível.

No dia dos protestos, o Director Provincial de Educação de Nampula, Wiliam Tuizine, deslocou-se à escola e recordou que já haviam sido emitidas orientações claras para proibir quaisquer cobranças relativas às provas provinciais.

“A nossa instituição emitiu, ainda no mês de Julho, um comunicado orientando para que nenhuma escola da província cobrasse taxas aos alunos para a realização das provas provinciais realizadas no fim de cada trimestre”, explicou.

Ainda assim, segundo o dirigente, algumas direcções escolares optaram por ignorar as instruções superiores, dando mostras de uma actuação autónoma e sem qualquer prestação de contas.

“Sabíamos que, aqui na cidade de Nampula, alguns directores já haviam iniciado as cobranças. Por isso, reunimos com eles e orientamos que cessassem imediatamente com essa prática”, disse Tuizine, sublinhando que a atitude dessas direcções pode configurar um cenário de anarquia institucionalizada no sector da Educação.

Como esclareceu, a direcção de Cossore encontrava-se a preparar a devolução dos valores juntamente com o conselho de escola, mas a insatisfação dos alunos explodiu antes disso. “Foi nesse contexto que aconteceu a agitação, onde alguns alunos montaram barricadas e arrastaram carteiras para as estradas. Felizmente, a situação está agora controlada”, relatou.

Face à gravidade da situação, o Governo Provincial de Nampula anunciou, esta segunda-feira (4), a criação de uma comissão multissectorial para investigar as práticas ilegais de cobrança nas escolas públicas.

Esta estrutura, que reunirá representantes do Governo, da sociedade civil, de parceiros de desenvolvimento e de instituições religiosas, terá como missão identificar os mecanismos que sustentam essas cobranças e apresentar soluções eficazes para o seu fim, reforçando também a fiscalização e a responsabilização.

Desta forma, mais do que uma manifestação pontual, a acção dos alunos de Cossore começa a ser encarada como um gesto de coragem que poderá desencadear mudanças estruturais.

Numa altura em que o sistema educativo dá sinais de descontrolo interno, estes estudantes podem ter dado o primeiro passo firme para restaurar a legalidade, a confiança e o respeito pelos princípios fundamentais do ensino público e gratuito em Moçambique.